O papel da mídia na superação coletiva
Em sua semana de lançamento, ECOA publicou uma matéria em que citei brevemente a ideia de superação coletiva. Trata-se de um conceito que cunhei há alguns anos com o objetivo de colaborar com parceiros da mídia genuinamente interessados em avançar na discussão sobre sociedade inclusiva. Para aprofundar esse ponto de vista, resolvi retomá-lo aqui.
Há alguns anos, recebi um telefonema do diretor de RH de uma das maiores empresas de plano de saúde no Brasil e ele, então, dizia: "Tudo bem Rodrigo? Tenho ótimas referências sobre seu nome e quero muito te contratar para que você faça aqui na empresa aquela palestra sobre superação que é tão famosa. Se não me engano, a palestra se chama 'A vida é dura para quem é mole'". Fiquei pensando: onde será que ele ouviu falar isso? Nunca usei essa frase, muito menos como título de uma palestra. Respondi, então, que talvez ele tivesse me confundido com outro palestrante, mas que eu estava à disposição para contribuir, caso o objetivo fosse provocar na plateia reflexões que pudessem, de alguma forma, contribuir para uma mudança positiva de atitude.
A frase acaba sendo até divertida, mas o mais importante é que ela revela muito daquilo que predomina no nosso imaginário sobre uma pessoa com deficiência. É como se existissem dois extremos. Ou a pessoa é uma sofredora, que enfrenta uma vida dura, vista até como inválida, ou ela é extraordinária, brilhante e vitoriosa. Essa lógica é facilmente percebida em filmes, comerciais e noticiários cujos roteiros trazem a narrativa de alguém com impedimentos (físicos, sensoriais ou intelectuais) que supera as desvantagens decorrentes da sua condição a partir do seu esforço individual. Ao final, o personagem é percebido como um herói. Certas matérias sobre atletas paraolímpicos exemplificam esse tipo de abordagem.
Pensando no papel da mídia, o caminho que parece ser mais fácil e que, provavelmente, gera mais audiência, é seguir tratando nossos desafios humanos a partir de uma visão binária que simplifica a vida com estereótipos contrastantes: a vida dura versus a vida exemplar; o vencedor versus o fracassado ou o super-herói versus o coitado. Nessa lógica, a superação individual é glorificada como a grande solução para a exclusão.
Um caminho mais promissor, na minha opinião, envolve transmitirmos a noção de que todos temos limitações que precisam ser superadas coletivamente. Uma dessas limitações é nossa inabilidade em nos relacionarmos com a diversidade humana. É estar aberto para o convívio com quem destoa dos padrões de normalidade e não subestimar o potencial das pessoas consideradas diferentes. Além disso, a mídia tem um papel decisivo para eliminar barreiras existentes na comunicação, nos conteúdos transmitidos. Daí a importância de se oferecer recursos de acessibilidade, como janela de Libras, legendas ocultas e audiodescrição, no caso, por exemplo, dos produtos audiovisuais.
Precisamos ser capazes de massificar a mensagem de que uma organização, um bairro ou um país só se transforma de forma inclusiva se cada um de nós se dispuser a se observar, perceber nossos preconceitos, nossos equívocos e mudar nossa forma de agir. A vitória será duradoura quando a superação for coletiva.
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