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Rodrigo Hübner Mendes

Escolas que impulsionam diferentes habilidades

ECOA

29/10/2019 04h00

Recentemente, fui visitar uma escola pública de São Paulo para produzir um vídeo sobre sua abordagem inclusiva de ensino. Depois de ter conversado com várias crianças e professores, estava circulando pelo pátio externo acompanhado da diretora, Ana, quando fui abordado por um garoto muito extrovertido, que me cumprimentou, trocou algumas palavras e saiu correndo para se juntar ao grupo de colegas. Chamou-me a atenção a espontaneidade e o sorriso contagiante do menino. Chamava-se Thiago e tinha 10 anos. Perguntei para a Ana se poderia entrevistá-lo. Quinze minutos mais tarde, estávamos eu e ele, sentados frente a frente numa sala, começando uma conversa que fluiu solta, como se não houvesse câmeras ou equipe no ambiente. Apenas nós e os assuntos que emendavam um no outro.

"Thiago, me conte o que você mais gosta de estudar."

"História! Sou apaixonado por História."

"É mesmo? E você sabe como é que o ser humano surgiu no planeta?"

"Pelo que me lembro, existiam bactérias que se tornaram peixes. Os peixes cresceram e viraram tigres. Aí vieram os macacos e, depois, surgiu o Homo sapiens. E, se não me engano, eram dois tipos de Homo sapiens. Mas isso faz muitos milhões de anos."

O que me impressionava, além da fluência do Thiago, era o brilho nos olhos, que mostrava o quanto era prazeroso para ele falar de assuntos que, aparentemente, não estariam no repertório de uma criança de sua idade. Ele mudava de um tema a outro.

"Eu gosto muito de entender as guerras."

"As guerras? Que tipo de guerras?"

"Eu gosto muito da primeira."

"Da primeira Guerra Mundial?"

"É, ela tem a ver com a Guerra Franco-Prussiana. Achei muito legal a estratégia dos germânicos para ocupar a região da Alsácia-Lorena."

E segue mais uma explicação empolgada. A conversa continuou por mais vinte minutos, com outras tiradas incríveis, até que nos despedimos com um abraço.

Sabemos que um dos grandes desafios do Brasil é melhorar a qualidade da nossa educação. Nosso desempenho em rankings internacionais é sofrível. No último PISA, ficamos em 59º lugar em leitura, 65º lugar em matemática e 63º em ciências. No entanto, toda semana recebemos notícias de experiências educacionais muito consistentes, provenientes de todas as regiões do país. Escolas exemplares que estão cumprindo brilhantemente seu papel e que podem ser ótimas referências para nossa necessidade de dar escala ao que está dando certo. Não se trata de reproduzir receitas, mas de aprender com tais casos, oferecer formação e apostar na capacidade de cada professor, dos gestores e de suas equipes.

Nitidamente, a escola que visitei faz parte desse grupo de práticas pedagógicas inspiradoras. O que mais me chamou a atenção não foi a sagacidade do Thiago, mas o projeto pedagógico daquela instituição. Trata-se de uma escola que valoriza muito a heterogeneidade dos alunos e respeita a forma com que cada um aprende. Estudam lá crianças de diferentes classes sociais, meninas e meninos com deficiência, jovens rebeldes, alguns muito estudiosos, outros com dificuldades de concentração. Enfim, a pluralidade está explícita o tempo todo. É parte natural daquele contexto. E para acolher essa diversidade, a escola diversifica estratégias e assume o pressuposto de que cada um vai trilhar seu percurso de aprendizagem de forma singular.

A necessária busca pela melhoria da qualidade da nossa educação só vai atender aos anseios de nosso país se formos capazes de garantir que toda escola incorpore em sua cultura uma atitude que viabilize o impulsionamento de diferentes tipos de habilidades.

Sobre o Autor

Rodrigo Hübner Mendes tem dedicado sua vida para garantir que toda pessoa com deficiência tenha acesso à educação de qualidade na escola comum. É mestre em administração pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP), membro do Young Global Leaders (Fórum Econômico Mundial) e Empreendedor Social Ashoka. Atualmente, dirige o Instituto Rodrigo Mendes, organização sem fins lucrativos que desenvolve programas de pesquisa e formação continuada sobre educação inclusiva em diversos países.

Sobre o Blog

A garantia do direito à educação para todos é o ponto de partida para reflexões sobre equidade, diversidade humana e construção de uma sociedade inclusiva.