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Rodrigo Hübner Mendes

A regra da média é um atalho que nos leva a uma enrascada

Rodrigo Hübner Mendes

03/10/2019 10h39

Já ouviram falar no caso dos caças americanos? Segundo um documentarista de Nova Iorque, em 1952 a Força Aérea Americana enfrentava um problema. Eles tinham acabado de lançar uma nova geração de caças, mas estavam atingindo resultados piores do que anteriormente. Foram investigar e perceberam que o problema estava no design cockpit. Como a gente pode imaginar, o desempenho de um caça, que lida com uma precisão milimétrica de manobra, depende diretamente de um encaixe perfeito do piloto na cabine. Ou seja, não adianta nada ter a melhor tecnologia do mundo se o piloto não alcançar com facilidade os comandos da aeronave. 

Até então, as especificações para a fabricação das cabines eram definidas pela média das medidas dos pilotos: da altura, da largura dos ombros, da cintura, etc. Para desvendar o mistério da queda no desempenho, foi contratado um pesquisador que estudou cerca de 4 mil pilotos, apurando 10 medidas de cada um. Depois disso, o pesquisador foi verificar quantos deles tinham o valor médio de cada medida. O resultado foi zero. Nenhum apresentava a média de todas as medidas. Ou seja, ao projetar um cockpit para o "piloto médio", a Força Aérea estava projetando algo que não servia para ninguém.

Considerando que os pilotos tinham tamanhos e corpos muito diferentes, o desafio era projetar um cockpit que se ajustasse a todos. Qual foi, então, a solução encontrada? Eles passaram a exigir que as empresas fabricantes dos aviões utilizassem um design projetado para os extremos. Quer dizer, ao invés de pensarem em alguém que tivesse a altura média, por exemplo, eles buscaram um cockpit que fosse ótimo tanto para o piloto mais alto quanto para o mais baixo. 

A reação dos fabricantes diante dessa demanda foi dizer que era impossível produzir uma cabine flexível. Alegavam que geraria um custo inviável para cada nave. Bastou perceberem que perderiam o governo americano como cliente para mudarem o discurso. Foi então que surgiram soluções, hoje aparentemente simples, como os assentos com regulagem de inclinação, altura, distância do painel e cintos ajustáveis. Como desfecho, a Força Aérea não só melhorou a performance dos pilotos, como ampliou drasticamente a diversidade de perfis de pessoas que passaram a ser aceitas para seu time. Hoje sabe-se que muitos dos melhores pilotos em atividade jamais teriam se adaptado a um cockpit desenhado para a média.

Essa história ajuda a explicar uma das maiores barreiras existentes hoje para a sociedade inclusiva: os modelos voltados à pessoa normal. Normal no sentido do perfil estatisticamente mais frequente. Seja na escola, no trabalho, no lazer, etc, tais modelos são anacrônicos e incompatíveis com o fato de que somos diversos. Produzem, inevitavelmente, exclusão.

O tratamento desigual aos desiguais, na medida da desigualdade, proposto pelo princípio da igualdade, escancara que a regra da média é um atalho que nos leva a uma enrascada. Bom saber que uma dose de pressão e criatividade, como no caso dos fabricantes de caças, pode nos lançar a patamares mais civilizados de equidade.

Sobre o Autor

Rodrigo Hübner Mendes tem dedicado sua vida para garantir que toda pessoa com deficiência tenha acesso à educação de qualidade na escola comum. É mestre em administração pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP), membro do Young Global Leaders (Fórum Econômico Mundial) e Empreendedor Social Ashoka. Atualmente, dirige o Instituto Rodrigo Mendes, organização sem fins lucrativos que desenvolve programas de pesquisa e formação continuada sobre educação inclusiva em diversos países.

Sobre o Blog

A garantia do direito à educação para todos é o ponto de partida para reflexões sobre equidade, diversidade humana e construção de uma sociedade inclusiva.