Rodrigo Hübner Mendes http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br A garantia do direito à educação para todos é o ponto de partida para reflexões sobre equidade, diversidade humana e construção de uma sociedade inclusiva. Mon, 23 Mar 2020 11:13:45 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Coronavírus: Voltamos a falar de superação coletiva http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/03/20/coronavirus-voltamos-a-falar-de-superacao-coletiva/ http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/03/20/coronavirus-voltamos-a-falar-de-superacao-coletiva/#respond Fri, 20 Mar 2020 07:00:09 +0000 http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/?p=108 O momento único que vivemos hoje me leva a resgatar o conceito de “superação coletiva” que já explorei por aqui, como uma forma de refletirmos sobre a construção de uma sociedade inclusiva. Creio que esse mesmo conceito sirva agora para esclarecermos a contribuição necessária de cada um para as próximas semanas.

Defendi a ideia de que a superação individual de alguém que tem impedimentos clínicos de longo prazo (físicos, intelectuais, sensoriais etc) é insuficiente para viabilizar um meio que iguale direitos. A transformação de que precisamos pressupõe a eliminação de um amplo conjunto de barreiras que estão presentes na arquitetura, nos meios de transporte, na comunicação, nos equipamentos e assim por diante.

Uma das principais barreiras está na nossa atitude. Na forma como julgamos e subestimamos o potencial de certas pessoas e, com isso, restringimos gravemente sua participação no trabalho, nas escolas e em todas as esferas sociais. Resumindo, a inclusão depende de uma superação coletiva, em que cada cidadão assume a responsabilidade de se observar, reconhecer preconceitos e mudar atitudes.

E o que essa barreira de atitude tem a ver com o momento atual? Em tempos de coronavírus, sabemos agora que não adianta isolarmos somente quem já foi diagnosticado. A mitigação exige um isolamento social coletivo. Em primeiro lugar, para evitar que novas pessoas sejam contaminadas. Em segundo, para evitar que quem está contaminado, e ainda não foi diagnosticado, seja vetor do efeito exponencial previsto. E o interessante é que isso envolve todos, independentemente de classe social, raça, gênero etc. Estamos todos no mesmo barco.

É tempo de mudança de postura, de atitude. Um dos povos mais ricos do mundo em 1940, o da Inglaterra, aprendeu com as adversidades da guerra a valorizar culturalmente os remendos nas mangas dos suéteres. Passou de emergência a padrão, de padrão a chique, signo de elegância.

Superação coletiva. Já fomos capazes de colocar isso em prática. Precisamos ser capazes de fazer isso de novo!

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Não é à toa que me apaixonei pelo Barcelona http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/03/13/nao-e-a-toa-que-me-apaixonei-pelo-barcelona/ http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/03/13/nao-e-a-toa-que-me-apaixonei-pelo-barcelona/#respond Fri, 13 Mar 2020 11:39:03 +0000 http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/?p=105 Josep Maldonado é uma figura extraordinária que tive a sorte de conhecer durante uma conferência promovida pela Fundação do time do Barcelona. Além da expressiva carreira política (senador pela sua terra natal, Catalunha, por 2 mandatos), Maldonado tem especial atração pela África, continente que conhece como poucos. De seus 54 países, visitou 52, só faltando Líbia e República Centro-Africana. 

Durante uma viagem à República do Máli, Josep foi conhecer a cidade de Tombuktu, localizada em região desértica no nordeste do país. Era uma cidade (na verdade uma vila grande) simples, extremamente atraente em virtude de suas construções em barro. “De onde você vem?”, perguntou-lhe em francês um garoto que o abordou sorrindo enquanto passeava pela cidade. Maldonado contou que vinha da Espanha, de Barcelona. O rosto do menino se iluminou e ele recitou de cor a escalação inteira do Barça, do goleiro ao ponta-esquerda.

Josep ficou encantado com o entusiasmo do garoto e perguntou se poderia conhecer sua casa. Imaginava que se tratava de uma habitação de classe média, com ao menos uma TV onde assistiam a jogos de futebol. Ficou surpreso ao perceber que era uma casa muito humilde, sem luz e sem água. A família e os animais de estimação dormiam todos num só cômodo. Como podia aquele menino ali saber tudo sobre o Barcelona, se nem rádio havia na casa? 

Finda a visita, Maldonado foi até o escritório de uma companhia aérea local, em Bamako, e perguntou se uma remessa enviada da Europa a um local pobre daquela vila teria chances de chegar. O atendente garantiu que sim e lhe deu as orientações sobre como proceder. De volta a Espanha, logo que pôde foi a uma loja oficial do FC Barcelona e comprou uma camiseta que lhe pareceu servir no garoto. Embalou e remeteu conforme as instruções obtidas em Tomboktu, torcendo para que o procedimento desse certo, num lugar que sequer tinha nome e número de rua.

Passado mais ou menos um ano, duas amigas de Maldonado lhe pediram sugestões sobre uma viagem que fariam à África. Elas iriam a dois países, um deles o Máli. Conhecendo bem a região, ele deu todas as dicas e recomendou que conhecessem Tombuktu e suas casas de terra. As amigas seguiram todas as recomendações e, durante um passeio, cruzaram com um garoto simpático, que lhes perguntou de onde vinham. Ao ouvir “Barcelona”, o menino arregalou os olhos e pediu que esperassem ali mesmo, paradas, que ele voltaria logo com uma coisa que lhes interessaria. As duas se olharam e aceitaram. Coisa de dez minutos depois, o garoto chegou correndo, vestindo uma camisa do Barcelona. “Josep, Josep”, repetia. A conexão tinha dado certo! Mais que isso, o autor do presente ficou sabendo do improvável fato. 

Minha admiração pelo Barcelona começou a ganhar maiores proporções em 2013, quando iniciamos uma parceria no campo da educação inclusiva, juntamente com o Unicef, que vem impactando educadores e estudantes de todos os estados do Brasil. Tive a chance de conhecer de perto os incríveis programas sociais financiados por eles em várias partes do mundo. Mais do que isso, passei a observar com atenção a profunda relação da marca do time com sentimentos de alegria e simpatia. O futebol bem jogado, que prioriza a beleza do toque de bola e o drible, acaba sendo quase que um reflexo natural dessa marca. Maldonado, ex-dirigente do time, é um ótimo símbolo dessa força que se espalha pelos mais remotos vilarejos do planeta. Uma honra ter me tornado seu amigo, Josep.

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Foco na extinção de barreiras http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/03/06/foco-na-extincao-de-barreiras/ http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/03/06/foco-na-extincao-de-barreiras/#respond Fri, 06 Mar 2020 07:00:19 +0000 http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/?p=99 No final de fevereiro, tive a oportunidade de comparecer à conferência anual do Zero Project. Trata-se de uma plataforma global voltada a soluções inovadoras e eficientes para as barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência. Sua missão é colaborar com a implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, criada em 2006 pela ONU e atualmente considerada a principal referência sobre esse tema no mundo. 

Durante a conferência, que tinha como tema educação, foram apresentadas 75 práticas e 11 políticas inovadoras, provenientes de 54 países. Conheci projetos muito consistentes, desenvolvidos em locais com realidades bastante contrastantes. Na Namíbia, por exemplo, o Ministério da Educação criou a política setorial de educação inclusiva para garantir que toda criança aprenda e participe integralmente do sistema educacional. Ela é obrigatória a todos os órgãos do governo e instituições de educação, da pré-escola ao ensino médio, e foi criada após conversas com familiares, líderes comunitários, professores, ONGs e pessoas com deficiência. Dentre as prioridades da política, estão: formação de professores e o apoio de professores auxiliares nas salas de aula para facilitar a inclusão.

Na Jordânia, crianças de diferentes religiões aprendem juntas, desde a infância até os 16 anos de idade, na Arab Epischopal School, a segunda escola no país a trabalhar com estudantes videntes, com baixa visão e cegos de forma integrada. A escola oferece métodos de suporte e recursos acessíveis para seus estudantes. Além do currículo regular, a escola promove respeito e tolerância religiosa e étnica. 

Durante a conferência, tive a honra de apresentar dois projetos desenvolvidos pelo Instituto Rodrigo Mendes. Em primeiro lugar, o portal Diversa, que é uma plataforma colaborativa sobre boas práticas de educação inclusiva acessada por professores de todo o mundo e apoiada por um grupo de organizações como ABADHS, Fundação Lemann, Fundação Volkswagen e Instituto Península. Em segundo lugar, o programa de formação sobre educação física inclusiva Portas Abertas para a Inclusão, criado conjuntamente com o Unicef e a Fundação FC Barcelona. Esse programa conta com uma versão EAD que pode ser gratuitamente acessada por qualquer pessoa interessada em aprofundar seu conhecimento sobre educação inclusiva e já recebeu mais de 50 mil participantes de todos os estados do Brasil. 

O Zero Project é uma iniciativa da Fundação Essl, instituição fundada em 2007 pelo empresário austríaco Martin Essl e sua esposa Gerda, que tem como foco projetos sociais e pesquisa científica, notadamente no campo das pessoas com deficiência. Atualmente, sua atuação se estende também ao que chamam de demais grupos em desvantagem: idosos, crianças, migrantes e outros. Em junho, será realizada no Chile a primeira edição da conferência Zero Project na América Latina, também com o tema educação. O evento está sendo promovido em parceria com a Fundación Descubreme e será uma ótima oportunidade para quem quer conhecer práticas consistentes de inclusão escolar nessa região do planeta.

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Para exercermos um direito, precisamos entendê-lo http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/02/28/para-exercermos-um-direito-precisamos-entende-lo/ http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/02/28/para-exercermos-um-direito-precisamos-entende-lo/#respond Fri, 28 Feb 2020 07:00:47 +0000 http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/?p=95 Dois aspectos são fundamentais na construção de uma sociedade inclusiva: cultura e regras claras – vale dizer, leis. Eles são interdependentes, um aspecto induz mudanças e evolução no outro.

Nesse sentido, é sempre bom assinalar marcos efetivos de mudança, principalmente quando tocam esses dois aspectos, o cultural e o legal. Como exemplo, há alguns meses foi lançado o “Guia dos Direitos da Pessoa com Deficiência Intelectual”, uma publicação elaborada por um grupo de organizações.

O livro foi escrito e editado por mais de 30 profissionais, entre advogados e pessoas que atuam diretamente no atendimento de pessoas com deficiência. O ponto mais importante da iniciativa é o fato de que ela torna uma informação que deve ser pública acessível a todos – principalmente às pessoas que são protegidas e contempladas pela legislação atual, que são a razão de ser do conjunto de normas legais compiladas e explicadas na publicação.

Para isso, uma equipe formada por pessoas com e sem deficiência intelectual leu todo o conteúdo e o adaptou, de forma a torná-lo o mais acessível possível. Foram utilizadas frases curtas, letras maiores, diferentes cores e muitas imagens. Encontram-se também explicações para palavras que possam apresentar alguma dificuldade de compreensão. Um quadro, ao final de cada etapa importante do texto, resume os conteúdos abordados.

A partir desses critérios, o Guia apresenta temas tão variados como direito à igualdade, direito à vida e educação, direito à saúde, direitos sexuais e reprodutivos e muitos outros, inclusive um capítulo sobre impostos e finanças. Você sabia, por exemplo, que o poder público deve “proporcionar meios para que a pessoa com deficiência possa decidir quantos filhos terá, se irá se casar ou constituir união estável.”? E que “o casamento, e consequentemente, o regime de bens da união dependem apenas da vontade da pessoa com deficiência intelectual.”? 

O “Guia dos Direitos da Pessoa com Deficiência Intelectual” tem tudo para ser um importante instrumento da sociedade para lidar com esses direitos de forma integrada e equilibrada. Pode ser consultado tanto por potenciais empregadores como pelos candidatos a vagas, tanto por legisladores como por advogados, sendo, enfim, uma fonte de informação para os agentes envolvidos no processo de inclusão e de sua institucionalização. Um grande passo para a sociedade que almejamos.

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E o Oscar vai para… inclusão, civilização http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/02/21/e-o-oscar-vai-para-inclusao-civilizacao/ http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/02/21/e-o-oscar-vai-para-inclusao-civilizacao/#respond Fri, 21 Feb 2020 07:00:49 +0000 http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/?p=91 “The Neighbor’s Window” é um tocante filme norte-americano, vencedor do Oscar de melhor curta-metragem na noite do último dia 9, em Los Angeles. Mas o fato novo trazido por essa premiação é o artista escolhido para ser seu apresentador, aquele que manda o “And the Oscar goes to…”. Pela primeira vez na história da principal premiação da indústria do cinema, foi um artista com síndrome de Down quem anunciou o prêmio: o ator Zack Gottsagen. 

Gottsagen recentemente estrelou o filme “Peanut Butter Falcon”, ao lado do astro que esteve no Oscar junto com ele, Shia LaBeouf. No enredo, faz o papel de um jovem com síndrome de Down que foge de casa para tentar uma carreira de lutador profissional. Durante as filmagens, LaBeouf, que tinha sérios problemas com consumo de álcool, foi preso e passou uma noite na cadeia por conta de uma bebedeira, após a qual desacatou policiais. Quando voltou no dia seguinte ao set, foi Gottsagen quem o acolheu, enquanto os demais, constrangidos, o evitavam. Nas palavras de LaBeouf, foi o acolhimento (somado a uma bronca) do companheiro de cena que o fez parar de beber definitivamente. 

No Brasil, o filme “Colegas” (produção de 2013), traz a história de três amigos que decidem sair atrás de seus destinos estrada afora em um velho Karmann-Ghia conversível. Os três personagens principais são vividos por atores com síndrome de Down:  Ariel Goldenberg, Rita Pokk e Breno Viola.

Há algo de novo acontecendo. A sociedade, de alguma forma, começa a perceber que incluir as pessoas, sejam quais forem suas diferenças, é algo desejável e possível. Estamos nos civilizando no sentido de que velhas barreiras e preconceitos estão sendo superados, em nome da inclusão. No ano passado, participei de um evento na ONU em que educadores de várias partes do mundo relatavam exemplos de pessoas com deficiência intelectual que tinham estudado na escola comum e conquistado autonomia. Apresentei a história de Samuel Adiron, paulistano que nasceu numa família de classe média e tem o sonho de ser professor. Seus pais, por terem consciência dos direitos do seu filho, fizeram questão de matriculá-lo em uma escola comum do bairro em que moravam. Perceberam que precisavam não só cobrar mudanças, mas também jogar junto e apoiar as mudanças. A diretora da escola assumiu esse desafio: decidiu apostar na capacidade do Samuel e de sua equipe. 

Hoje, aos 21 anos, ele estuda pedagogia numa das duas faculdades em que passou no vestibular. E tudo indica que vai realizar seu sonho de dar aula para crianças. Há 15 ou 20 anos, era praticamente impensável encontrar adultos com deficiência intelectual formados no Ensino Superior. Hoje, isso está cada vez mais comum. Ou seja, o acesso à escola comum mudou completamente o horizonte futuro dessas pessoas. 

Tais histórias, e tantas outras, mostram que, sempre que conseguimos romper as barreiras do preconceito e do medo do diferente, andamos para a frente em padrão civilizatório. O Oscar deste ano teve um significado que talvez demore um tempo para ser percebido. Parafraseando o astronauta Neil Armstrong, eu diria que a presença de Zack Gottsagen como apresentador no Oscar foi uma pequena fala para o ator, mas um grande passo para a humanidade.

 

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O padre que devolveu dignidade a centenas de crianças africanas http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/02/14/o-padre-que-devolveu-dignidade-a-centenas-de-criancas-africanas/ http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/02/14/o-padre-que-devolveu-dignidade-a-centenas-de-criancas-africanas/#respond Fri, 14 Feb 2020 07:00:10 +0000 http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/?p=88 Numa noite de setembro de 2016, o padre Jorge Mario Crisafulli saiu dirigindo uma van pelas ruas de Freetown, a capital de Serra Leoa, país muito pobre da costa oeste da África. Ao cruzar com um grupo de sete garotas, com idade entre 11 e 14 anos, nitidamente em situação de prostituição, aproximou-se e disse: “A rua não é lugar para vocês. A rua é lugar para violência…”. Jorge, um argentino com longa história de trabalho assistencial no continente africano, havia chegado alguns meses antes ao país para trabalhar na ONG católica Dom Bosco Fambul, parte da rede internacional de assistência instituída pelos salesianos em mais de 60 países.

Chocado com a situação de extrema vulnerabilidade das meninas, Jorge disse que gostaria muito de ajudá-las e convidou-as a conhecer a Dom Bosco. No dia seguinte, o padre foi acordado por um telefonema do recepcionista do prédio da ONG, explicando que havia um grupo de garotas a sua procura. Surpreso com a visita, ele então lhes ofereceu alimento e as encaminhou a um hospital para fazer uma avaliação do seu estado de saúde. Todas foram diagnosticadas como portadoras do vírus HIV, ainda sem sintomas de aids.

A partir desse dia, sob a liderança de Crisafulli, os missionários da Dom Bosco iniciaram um trabalho sistemático para tirar meninos e meninas de situação de rua e reintegrá-las a suas famílias. Já foram mais de 580. Nesse processo, as crianças e adolescentes passam um tempo sob abrigo da missão, onde recebem alojamento, alimentação, educação, assistência médica e psicológica. Algum tempo depois, a instituição busca reintegrá-los à família. Em muitos casos, quem as recebe de volta são os avós, uma vez que é comum os pais recusarem ter a filha ou filho de volta, seja pelo histórico de rua, seja pela condição de soropositivo. Hoje, a instituição desenvolve oito programas similares em Serra Leoa.

Tive o privilégio de jantar ao lado de Jorge durante um evento sobre solidariedade em Barcelona, no final do ano passado. Sua simplicidade e simpatia me conquistaram logo de cara. Ao perguntar sobre sua força para seguir dedicando a vida a essa causa, explicou sorrindo que “Viver cercado por tanta dor e injustiça não me deprime, ao contrário, me dá mais força para lutar pela justiça e pela dignidade dessas crianças.” Em tempos de desrespeito a princípios básicos de direitos humanos, exemplos como o de Jorge merecem toda visibilidade que podemos oferecer pela luz que trazem. Por renovarem nossas energias e nos estimularem a seguir perseguindo uma sociedade mais justa e igualitária.

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Voe em paz, pai http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/02/04/voe-em-paz-pai/ http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/02/04/voe-em-paz-pai/#respond Tue, 04 Feb 2020 07:00:42 +0000 http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/?p=85 Na última semana, meu pai José partiu após um longo período de hospitalização. Costumo ser bastante discreto quanto à minha vida pessoal, mas nesse caso prefiro levar minha homenagem a ele para todos os cantos. Segue minha carta de despedida:

Querido pai,

Gostaria de ter a capacidade de lembrar de tudo que você nos ensinou ao longo da vida para poder agradecer cada aprendizado nesse momento. Muito do que sou veio de você. 

Me lembro do dia em que começou a me ensinar como jogar bola. Não chutar de bico, organizar o jogo no meio do campo, mirar na forquilha para que meus gols fossem belos. O futebol se tornou minha grande paixão de garoto. Com ele, aprendi a confiar em mim.

Me lembro quando me ensinou a rezar, dizendo que eu poderia conversar com Deus sempre que me sentisse frágil. Isso me ajudou muito nos momentos de angústia.

Me lembro das inúmeras vezes em que você falou sobre a importância de se ter paciência diante do ciclo natural regido pelo tempo. “Ser paciente, saber esperar, é sinal de sabedoria”, você dizia. Nessa virtude, você era nosso mestre.

Outro ensinamento que me marcou muito desde a infância foi sobre a inteligência que reside na humildade. “Nunca seja metido, filho. Quem canta de galo o tempo todo, um dia cai do cavalo. Se perde na arrogância”. Não consigo me lembrar de uma cena em que você tenha se colocado como superior a alguém. Desprezado quem quer que seja. 

Aprendi também com você o poder transformador do humor, da brincadeira, da descontração. Quantas vezes choramos de rir ouvindo suas histórias. Leveza é um mantra que escolhi perseguir na vida, em parte graças a você. 

E para concluir essa modesta amostra do vasto acervo com que você nos presenteou, não posso deixar de mencionar aquilo que me disse no dia mais difícil da minha vida. Eu estava no hospital, sem saber se iria sobreviver, ansioso para que você chegasse e me acolhesse. Eu estava com muita dificuldade para respirar e com muito medo do que viria pela frente. Quando você chegou, segurou no meu braço e me disse olhando nos olhos: “Filho, fique tranquilo. Faça sua parte, a gente vai fazer a nossa e a gente vai vencer essa parada. Tudo vai ficar bem!”

Aquilo passou a ser meu lema. Essas simples palavras me salvaram. Entendi na hora que fazer minha parte significava não cair no limbo da auto piedade. Não perder um segundo com o vazio da queixa, na busca por culpados. Fazer minha parte significava assumir minha responsabilidade pelo meu futuro e canalizar toda minha energia para seguir em frente e remar com todas as minhas forças diante daquele maremoto que surgiu na nossa frente. E quando a tormenta passasse, abraçar e valorizar cada oportunidade que a vida oferecesse. 

Uma das melhores coisas que aconteceram nos últimos anos foi ter tido tempo para ficar com você. Estou ciente de que nada vai substituir o prazer da sua presença, suas bochechas macias, a força das suas mãos e a espontaneidade da sua risada. Mas vou me esforçar para converter a falta em fortaleza. 

O seu corpo se vai hoje, mas sua essência permanece, imortal dentro dos nossos peitos. No meu, no da Fabi, no do Con, no da mamãe e em todos que te conheceram. Seguirei na busca por atender seu pedido. Na busca por fazer a minha parte, da melhor maneira que eu puder. Para que quando eu parta, tenha a chance de sentir que fiz por merecer tudo que recebi da vida, fiz por merecer ter sido seu filho. Te amarei incondicionalmente em carne, em espírito, no eterno.

Obrigado, pai. Voe em paz…

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Está nas mãos do MEC e do CNE evitar graves prejuízos à educação inclusiva http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/01/28/escolas-inclusivas-sao-as-melhores-para-estudantes-com-deficiencia/ http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2020/01/28/escolas-inclusivas-sao-as-melhores-para-estudantes-com-deficiencia/#respond Tue, 28 Jan 2020 07:00:06 +0000 http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/?p=77 Nos últimos dias, o Instituto Jô Clemente (antiga Apae de São Paulo) publicou os resultados de uma pesquisa sobre o desenvolvimento de alunos com deficiência intelectual, comparando aqueles que frequentaram escolas comuns (em convívio com demais alunos) com os que estudaram em escolas especiais (que atendem exclusivamente pessoas com deficiência, de forma segregada). Segundo o estudo, as crianças em escolas comuns apresentaram maior desenvolvimento de competências relacionadas a comunicação, linguagem e relacionamento interpessoal. Em suma, o processo de aprendizagem e a construção da autonomia mostraram-se significativamente mais expressivos nos estudantes que tiveram acesso a escolas inclusivas.

Vygotsky e outros pensadores clássicos que influenciaram a pedagogia contemporânea assinalavam que a aprendizagem ocorre na interação. As conclusões da pesquisa acima citada convergem com dezenas de outras investigações, de várias partes do mundo, que venho acompanhando na última década.

Considerando que o Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE) estão revisando as diretrizes nacionais referentes ao atendimento de estudantes com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação (segmento denominado de público-alvo da Educação Especial), é fundamental que estudos como esse do Instituto Jô Clemente venham a público de forma ampla e clara. O retorno à segregação de tais estudantes em escolas ou classes especiais, hipótese considerada pela referida revisão, resultará em incalculáveis prejuízos às perspectivas futuras de uma significativa parcela da população que conquistou, internacionalmente, o direito à educação em escolas comuns. Conforme explorei há alguns meses nessa coluna, o que custa caro à sociedade é a exclusão das pessoas com deficiência. A continuidade da construção de redes de ensino inclusivas é o caminho a ser seguido, se de fato almejamos um país mais civilizado e igualitário. Está nas mãos do MEC e do CNE optarem por esse caminho.

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Somente uma chama nos Jogos olímpicos de 2020 http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2019/12/24/somente-uma-chama-nas-olimpiadas-de-2020/ http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2019/12/24/somente-uma-chama-nas-olimpiadas-de-2020/#respond Tue, 24 Dec 2019 07:00:19 +0000 http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/?p=72 Em 2013, o UNICEF me convidou para participar da criação de um projeto que aproveitasse o período da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil para estimular nossas escolas públicas a explorar a educação física de uma forma diferente. Não mais orientada pela competição e formação de atletas (objetivos tradicionais dessa disciplina), mas orientada pela participação e diversão de todos os estudantes. Como resultado, criamos um curso sobre educação física inclusiva que tem sido frequentado por milhares de professores de todo o país

O projeto, que cumpriu com a pretensão de ser um dos legados sociais desses eventos, acabou me aproximando bastante da Olimpíada no Rio. Tive a honra de conduzir a tocha durante o rodízio e, alguns meses depois, fui para o Japão a convite do Fórum Econômico Mundial para participar de um seminário. O objetivo era discutir como os próximos Jogos Olímpicos podem ampliar o seu impacto social. No final do debate, a mediadora me perguntou: “Rodrigo, o que você acha que Tóquio pode mudar nesse sentido?”

Resumindo minha resposta, eu acho que a separação completa dos jogos, entre Olímpicos e Paralímpicos, vai na contramão da ideia de uma sociedade inclusiva. Que mensagem transmitimos para o mundo segregando os atletas pelo fato de terem, ou não, uma deficiência? Além disso, o ato de apagar a pira Olímpica e, depois de algumas semanas, acender a pira Paralímpica, só reforça essa mensagem negativa.

Lembrando que os Jogos Olímpicos são o maior evento do mundo e que suas cerimônias são vitrines para bilhões de pessoas, minha proposta é que mantenhamos a chama acesa entre os dois jogos como um símbolo de união, de igualdade entre as pessoas. A proposta foi batizada de One Flame. Aproveitando que já estamos em ritmo de pensar em nossos desejos para 2020, por que não mentalizarmos uma única chama em Tóquio? Uma chama que jogue a favor de uma sociedade mais solidária, mais humana, mais sustentável.

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Ensino superior deve também conciliar excelência com equidade http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2019/12/17/ensino-superior-deve-tambem-conciliar-excelencia-com-equidade/ http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/2019/12/17/ensino-superior-deve-tambem-conciliar-excelencia-com-equidade/#respond Tue, 17 Dec 2019 07:00:45 +0000 http://rodrigohubnermendes.blogosfera.uol.com.br/?p=67 “Adoro a inclusividade dessa escola”, disse Samantha, aluna do primeiro ano do curso de Economia do Insper. Assim como outros 129 jovens, Samantha recebe bolsa integral, auxílio alimentação e o relevante benefício de poder morar gratuitamente na “toca da raposa”, república mantida pela faculdade. Me contou com brilho nos olhos toda sua trajetória, desde que ficou sabendo da existência do Insper, até o dia em que recebeu a notícia de que entraria para o programa de bolsas da instituição. Nos conhecemos durante a cerimônia de encerramento do ano desse programa, quando pude testemunhar o entusiasmo e a alegria de muitos outros jovens. 

Fiquei muito bem impressionado com o que vi e ouvi. Nascido em Salvador, Jadson estudou a vida toda em escola pública e conviveu com as injustas restrições enfrentadas por famílias de baixa renda em nosso país. Conseguiu passar na primeira fase do vestibular do Insper por meio do Enem e, mesmo tendo pouquíssimos recursos, juntou dinheiro para vir a São Paulo e participar da segunda etapa do processo seletivo. “O dinheiro era curto, mas resolvi arriscar”, explicou. Atualmente, é aluno do 4º semestre da Engenharia Mecânica e tem o sonho de trabalhar em grandes indústrias para depois retomar a vida acadêmica. Tive a chance de ouvir também Dona Isabel, mãe de Jadson, que foi convidada ao evento para fazer um depoimento sobre o impacto que a bolsa de estudo tinha gerado na vida de seu filho, alfabetizado por ela aos 3 anos de idade. E as histórias continuavam: Karoline, aluna nascida em São José do Buriti (Minas Gerais), que se formou em Economia e hoje trabalha como trainee do Banco Itaú. André, Remanso (Bahia), 5º semestre Economia e Jefferson, também formado e atualmente mestrando da Universidade Nova de Lisboa.

As narrativas acima trazem à tona a questão mais premente da educação no Brasil hoje: acesso com qualidade (ou equidade com excelência). A boa notícia é que há instituições que entenderam isso e têm atuado para mudar o quadro de desigualdade. O Insper hoje é uma delas. Criado há 15 anos, seu programa de bolsas beneficiou mais de 530 jovens e formou mais de 270. Alguém poderá dizer que é pouco, frente ao que precisamos. Mas o lado a destacar é: um grupo da sociedade se uniu em torno de um propósito, o de desenvolver a própria sociedade, e está deixando seu legado. 

Já falei aqui sobre a metáfora da linha de largada, em que as oportunidades dadas a alguns e negadas a outros distorcem a ideia de meritocracia. No caso do Insper, o que a instituição tem conseguido promover é justamente o contrário. As bolsas são financiadas com recursos obtidos por doações de fontes diversas. Campanhas, como a da Semana Transformar, doações pessoais de ex-alunos, professores e lideranças da sociedade civil. Com isso, a instituição tem conseguido concretizar um de seus princípios básicos, que é o de valorizar as diferenças e dar chances a quem tem talento e potencial, independentemente de origem social e econômica. Mais que isso, mostra que a sociedade é capaz de ser o agente de sua própria mudança, a alavanca de seu desenvolvimento.

O resultado é: todos ganham. O bolsista e o não bolsista, os alunos e os professores, a sociedade como um todo. Uma instituição mais diversa em sua composição será uma instituição mais madura e mais sintonizada com o Brasil de verdade. É tempo de ver multiplicar-se esse tipo de iniciativa.

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